Os dois presos que fugiram da penitenciária federal de Mossoró (RN) escaparam pela luminária da cela e tiveram acesso a ferramentas usadas na reforma pela qual a unidade passa. Para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, uma "série de fatores" levaram à fuga de Rogério da Silva Mendonça, de 35 anos, e Deibson Cabral Nascimento, de 33, como falhas de construção da estrutura prisional e falta de funcionamento de câmeras e lâmpadas.
É a primeira vez que um presídio federal registra uma fuga, e cerca de 300 agentes atuam na captura de Rogério e Deibson. Além da unidade no Nordeste, o país tem quatro outros presídios federais — Brasília (DF), Porto Velho (RO), Campo Grande (MS) e Catanduvas (PR).
"Em vez de a luminária e o entorno estarem protegidos por laje de concreto, estava fechadapor um simples trabalho comum de alvenaria. Outro problema diz respeito à técnica construtiva e ao projeto. Quando os fugitivos saíram pela luminária, entraram naquilo que se chama de shaft [vão interno para passagem de tubulações e instalações elétricas], onde se faz a manutenção do presídio, com máquinas, tubulações e fiação", disse Lewandowski.
Os fugitivos teriam conseguido alcançar, por meio do shaft, o teto do sistema prisional, onde também não havia nenhuma laje, grade ou sistema de proteção. "É uma questão de projeto. Quem fez deveria ter imaginado que a proteção deveria ter sido mais eficiente", avaliou o ministro.
Para Lewandowski, o fato de a ação dos criminosos ter ocorrido na madrugada da terça de Carnaval para a Quarta de Cinzas pode ter facilitado a operação, porque as "pessoas costumam estar mais relaxadas" nesse período.
Após ultrapassaram os obstáculos, os criminosos encontraram ferramentas utilizadas na reforma do presídio. Em seguida, Deibson e Rogério se depararam com um tapume de metal que protegia o local reformado e fizeram uma brecha na estrutura. Depois, com alicates usados na obra, cortaram as grades que os separavam do mundo exterior.
"É verdade que outro fator contribuiu para que esse evento ocorresse. Algumas câmeras não estavam funcionando adequadamente, assim como algumas lâmpadas que poderiam, eventualmente, detectar fugas. De quem é essa responsabilidade e por que ocorreu será objeto de investigação", falou Lewandowski.
Além do inquérito investigativo conduzido pela Polícia Federal, foi aberta uma sindicância administrativa, para apurar eventual participação de servidores.
Entenda
Deibson é também conhecido como "Tatu" ou "Deisinho". Ele e Rogério são naturais do Acre, ligados à facção criminosa Comando Vermelho e estavam detidos no local desde 27 de setembro de 2023.
A penitenciária de Mossoró (RN) tem área total de 12,3 mil m². Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, os custodiados ficam em celas individuais, equipadas com dormitório, sanitário, pia, chuveiro, mesa e assento. Não há tomadas nem equipamentos eletrônicos.
Dentro das penitenciárias há unidades básicas de saúde, onde todos os atendimentos básicos são realizados pela equipe de especialistas e técnicos do órgão. Também há parlatórios para o atendimento de advogados e salas de videoconferência para participação em audiências judiciais.
Para ser transferido para o sistema penitenciário federal, os presos devem exercer cargo de liderança ou cometer crime que ponha em risco a integridade física no presídio comum; ou são componente de quadrilha envolvida em crimes com violência ou grave ameaça; réus colaboradores ou delatores premiados, desde que tal condição cause risco à integridade física; e que estão envolvidos em fugas, violência ou de grave indisciplina no presídio de origem.
O país têm cinco presídios federais, consideradas de segurança máxima. Cada unidade tem capacidade para 208 detentos, o que totaliza 1.040 vagas no sistema penitenciário federal. No entanto, apenas 551 (53%) espaços estão ocupados.
Veja a quantidade de presos por penitenciária federal:
• Porto Velho (RO): 134
• Catanduvas (PR): 126
• Campo Grande (MS): 115
• Mossoró (RN): 68
• Brasília (DF): 46
Rotina de um preso
No presídio federal, a rotina de um preso, geralmente, é muito diferente da rotina na unidade prisional de origem. Ao chegar na prisão, ele passa 20 dias em uma cela de inclusão, separadas das celas definitivas.
"Tais celas permitem que os Agentes Federais de Execução Penal expliquem toda a nova rotina para o custodiado, além de realizar a entrega de documento impresso que contém todos os direitos e deveres do custodiado", diz o governo.
Assim que chega à penitenciária, o preso recebe um kit com uniformes (bermuda e calça, camiseta e blusa de inverno) e materiais de higiene pessoal (escova e pasta de dente, sabonete, desodorante e toalha).
Nesse período de inclusão, a equipe de assistência também avalia todo o quadro clínico do preso, que inclui, por exemplo, se ele precisa de atendimentos especiais ou se tem restrições alimentares. Caso necessário, o custodiado já recebe medicações, além da coleta de material para exames laboratoriais.
Dentro da unidade federal, existe uma Comissão Técnica de Classificação (CTC) que elabora o programa individualizador da pena para serem planejadas e ofertadas oportunidades adequadas ao perfil do preso com vistas à sua reabilitação.
Além disso, é verificado se o preso possui todas as documentações pessoais, caso ele não possua, em tempo adequado, é realizada ação conjunta com outros órgãos para emissão de novos documentos.
Também na inclusão é explicado como será o contato com os familiares e os atendimentos com advogados. Nas penitenciárias federais, as visitas são restritas ao parlatório e por videoconferência, destinadas, exclusivamente, à manutenção dos laços familiares e sociais. O preso conta com atendimento também de assistentes sociais.
A rotina do custodiado em presídio federal é de acordo com a agenda de atendimentos de saúde, educacionais, jurídicos, de visita e banho de sol. No entanto, após a fuga em Mossoró, o governo suspendeu as visitas sociais e os banhos de sol dos presos. Além disso, o texto limita o acesso às dependências prisionais, incluindo as áreas de inclusão.
Depois do processo de inclusão, o detento é alocado nas celas individuais. Durante o banho de sol, toda a movimentação é acompanhada, inclusive, por videomonitoramento. As atividades educacionais são educação básica (Alfabetização, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e ensino profissionalizante com acompanhamento de pedagogos.
Dentro da cela, é permitido que os presos mantenham os livros pedagógicos, de acordo com as matérias que estão estudando na educação normal, um livro religioso, revista ou um livro.
A fuga
A Senappen, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, investiga a hipótese de uma obra na prisão de segurança máxima ter facilitado a fuga dos dois, como interlocutores informaram à reportagem. Segundo fontes, havia ferramentas disponíveis nos fundos do presídio.
A secretaria trabalha também com a suspeita de cooptação de servidores na ação dos criminosos. Os dois detentos estavam sob Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), com regras mais rígidas do que as do regime fechado, como impedimento de banho de sol.
Fonte: R7